O tema proposto para o Grupo de escrita a que pertenço, o CPR, na terceira semana foi o seguinte:
Uhhhh, fiquei aterrorizada com o tema, pois
não tenho muito jeito para o fantástico e/ou sobrenatural, mas depois de muito
pensar, resolvi escrever sobre outro tipo de terror, o Terror da Guerra, e de como esse terror pode dar força e coragem a quem luta para proteger os seus entes queridos, e de mães
capazes de actos de verdadeiro heroísmo para proteger os filhos. Este foi o meu texto:
Na Guerra
Hoje não consigo adormecer, é como se algo em mim pressentisse
que alguma coisa de muito má vai acontecer, e não, não é do barulho das botas
dos militares lá fora na rua, não é do vento frio que entra pelas janelas que
outrora tiveram vidros, não é pela ausência do José, por não ter notícias dele
há mais de 2 meses.
Foi numa noite como esta, cheia de maus pressentimento, com
vento gelado a uivar no breu da cidade, que os militares do regime o vieram
buscar para lutar contra os seus amigos. Sim, o José é da resistência e hoje
luta não ao lado mas contra os seus companheiros, os seus ideais. Odeio esta
guerra, odeio estar aqui sem saber de ti, odeio estar sozinha com os nossos
filhos neste que já foi o nosso lar, hoje são só paredes com buracos, janelas
sem vidros. Não temos electricidade, não temos água nas torneiras, não tenho
comida para o estômago dos nossos filhos, pobres crianças, outrora felizes e
limpos, hoje Pilar e Rafael são dois seres magricelas, famintos, sujos, mas são
os nossos filhos, fruto do nosso amor, filhos tão desejados e queridos.
- Mamã, mamã!! – Ouve-se num grito choroso. É Rafael, o
meu doce menino.
- Estou aqui amor, digo-lhe quando o alcanço no quarto
escuro. Aconchego-o, a noite está fria, o Janeiro mais frio dos últimos anos.
- Mamã, sonhei com o papá! Ele estava deitado na neve a
gritar e depois ficou tudo vermelho – Relata Rafael entre lágrimas.
-Oh filho, digo-lhe para o tranquilizar, foi só um sonho
mau, de certeza que o papá está bem.
- Mas está tanto frio mamã! O papá tem frio, está gelado,
eu sei…
Pilar levanta-se da cama e acocora-se ao nosso lado,
dá-nos a mão e diz:
- Rafa não tenhas medo, o papá sabe que o amamos muito e
além disso estamos aqui, na nossa casa, os três juntos, nada nos pode
acontecer.
Na rua ouve-se uma criança a chamar pela mãe entre soluços.
A mãe responde, grita! Um tiro é disparado, silêncio de morte, um grito surdo,
sons das botas a esborrachar a neve. Eu estremeço, aperto-os contra mim com
mais força. Quero abandonar esta sensação de medo que se apoderou de mim. Maldita
guerra.
Afasto os maus pensamento e convido-os a juntarem-se a
mim na cama grande, a protecção e aconchego possível. Gostava de poder aquecer
2 copos de leite e oferecer-lhes biscoitos de canela, para lhes acalmar o estômago
e a alma. Não tenho leite e os biscoitos acabaram há muito. Amanhã temos de ir,
mal o sol nasça, para a fila de racionamento para ver se conseguimos trazer
para casa um pouco de pão, de leite, de arroz e com muita sorte um pedaço de
carne seca.
Na cama grande, com um em cada braço, bem encostados em
mim, sinto-os adormecer, ouço-lhes o respirar tranquilo, sinto o calor dos seus
corpos, fecho os olhos por uns segundos e quase parece que está tudo bem, como
antes desta guerra estúpida, como quando ainda estávamos os quatro juntos,
quando a nossa casa estava iluminada, quente e cheirava a assados feitos no
forno.
Saio deste meu torpor sobressaltada pelo barulho de botas
dos militares nas escadas de madeira do nosso prédio, hoje os únicos habitantes
do n.º 9 são mulheres, crianças e velhos, os homens foram todos recrutados para
o exército do regime ou então lutam do outro lado, o da resistência. Barulho de
portas arrombadas, gritos de pânico são abafados, choros desesperados de
crianças, filhos arrancados com brutalidade dos braços das mães, ouve-se o
terror… Terror causado por esses animais, pois não podem ser homens, só animais
entram de noite em casa de mulheres, crianças e velhos indefesos para os
brutalizar, para os subjugar, para os ensanguentar.
Os degraus continuam a ser escalados por aquelas botas e não
tarda estão no nosso piso e a próxima porta a ser arrombada é a nossa.
A tremer, abano-os até acordarem, tapo-lhes a boca com as
minhas mãos e imploro-lhes silêncio com os olhos. Estou apavorada e só os quero
proteger, encaminho-os para o velho roupeiro que herdei da avó Maria, e o mais
silenciosamente que consigo abro as velhas portas e encaminho Rafael e Pilar
para o seu interior. O rosto deles, espelho do meu, é fantasmagórico, o medo, o
desespero pela sobrevivência no seu estado mais puro.
O barulho nas escadas é agora ensurdecedor.
Mãos rodam a maçaneta da nossa porta.
-Rafa não chores – implora Pilar em surdina.
- Chiu – Sopro-lhes eu e digo: Aconteça o que acontecer não
se separem, não façam barulho, não falem, não se mexam, só saiam do roupeiro
quando o sol raiar e quando não houver qualquer barulho no prédio.
- Mamããã! – Soluça Rafael.
Pilar agarra-o com força.
Beijo-lhes os rostos, sugo-lhes o cheiro, aperto-lhes as
mãos e murmuro: Meus filhos eu amar-vos-ei sempre, para sempre, vocês estão
sempre no meu coração e eu no vosso, nada nos pode separar!
- Nós também te amamos mamã – diz Pilar entre lágrimas, apertando
ainda mais Rafael.
- Saiam todos!!! Grita um voz gutural
Largo-lhe as mãos, olho-os nos olhos, envio-lhe todo o
meu amor, tapo-os com os velhos cobertores, fecho a porta do roupeiro. As
lágrimas caem-me pelas faces, o coração dói, peço ajuda a Deus - Senhor,
proteja a Pilar e o Rafael – Chicotadas de dor assolam-me o corpo e a alma.
- Vá, toca a sair, não vão conseguir escapar, gentinha de
merda! – Ouve-se entre risadas
Devem ser uns quatro, estão bêbados, o cheiro a vinho
inunda a casa, vejo-lhes as botas, sinto a sua sinistra presença e penso, pelos
meus filhos eu aguento tudo, e digo:
- Estou aqui, o meu nome é Mercedes!
Espero que gostem!
Beijinhos
Cláudia
Espero que gostem!
Beijinhos
Cláudia
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